sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Conhecer o Nepal nunca foi um dos grandes sonhos da minha vida. Eu sempre olhava a bandeirinha diferente lá no mapa e pensava “que coisa engraçada!”- mas nada me atraía o suficiente para que surgisse um desejo de conhecer o lugar. Depois de voltar à Índia, deitar na minha cama e fazer o balanço final da viagem, digo com toda certeza: essa falta de vontade existia pelo simples motivo de que eu não tinha idéia do que iria encontrar por ali – ou SE iria encontrar alguma coisa.

Resultado: me surpreendi demais. E foi maravilhoso.
A primeira impessão que eu tive ao desembarcar no (mini) aeroporto de Kathmandu foi: “tem alguma coisa errada por aqui; as pessoas parecem agitadas”. E sim. Segundo o guia que estava comigo, as coisas no Nepal tem estado diferentes de 2 anos para cá, quando a monarquia caiu e iniciou-se um novo regime – cuja percentagem é de 40% a favor e 60% contra. Ainda não existe Constituição, e pelo visto vai demorar.

Além disso, por questões de segurança, muita gente decidiu se mudar para a capital, fazendo com que Kathmandu sofresse um boom demográfico para o qual não estava preparada. Resultado: praticamente não há asfalto, a quantidade de hospitais e médicos é insuficiente, a população vive em extrema miséria, falta luz por pelo menos 2 horas em todos os bairros da cidade, a inflação é absurda, o trânsito caótico e mais todos os problemas de uma cidade que não consegue comportar o número de habitantes.

De qualquer forma, minha intenção era conhecer os resquícios dos reinos antigos e a cultura nepalesa, muito específica. A população é bem dividida entre hinduístas e budistas e tudo por ali exala religião. As pessoas se comportam de forma muito diferente, principalmente na maneira de vestir. Lembra um pouco a Índia, porém mais tradicional.
A época estava ótima: não era alta temporada – que geralmente cai em outubro e novembro – e a temperatura estava cerca de 13º a 15ºC. Os turistas eram majoritariamente europeus e americanos que procuravam um destino exótico ou hippies (aos montes!).

Os dois melhores lugares que fui foram Patan e Bakhtapur, antigas "cidades reais", cuja estrutura ainda permanece original.






A tradição é rodar os mantras (acima). Dizem que, ao rodá-los a sorte da vida de multiplica. Rodei todos. Agora é esperar para ver.

Também gostei muito dos monumentos budistas: o Boudha Stupa (do post anterior) e o Swayambhu (abaixo). Vários monges presentes buscando elevação. Muito bonito de ver.
Também subi (sim, de carro) até o topo de Nagerkot, para ver o Himalaia "mais de perto". A estrada é a mais maluca de todas. Mão dupla, cheia de curvas, sem sinalização. Tudo na base da buzina mesmo.
E, uma das experiências mais traumáticas: vi o sacrifício do cachorro em homenagem à deusa.
O maior problema no decorrer da viagem estava no aeroporto, que certamente não está preparado para a quantidade de vôos que tem. Primeiro que só quem está embarcando pode entrar – e há uma multidão na porta, famílias inteiras que querem passar até o último segundo com quem está indo viajar, quase um funil, que você tem que se espremer para conseguir passar. Depois que, provavelmente pela enorme quantidade de pessoas e o pequeno montante de empregos, "cria-se" empregos fictícios que fazem, por exemplo, você passar pelo detector de metal em pelo menos 5 momentos diferentes, ser revistado umas 3 e ter seu bilhete carimbado 4 - sem exageros. E sempre, sempre a superlotação. O vôo atrasou 2 horas e, assim como muita gente, eu tive que esperar sentada no chão. Existe apenas uma lanchonete e o que eles chamam de "duty free"é do tamanho do meu quarto. 

Chegando no avião tivemos que esperar mais 1h30 por conta de problemas com a torre de comunicação. Resultado: fúria.

A grande coincidência de tudo isso foi que, ao meu lado, estava sentado nada mais nada menos que um outro brasileiro. Pessoa muito bacana, trabalha em uma ONG que cuida de crianças órfãs e morava no Nepal há 4 meses (fora do Brasil há 17 anos). Estava de mudança para a Uganda e, pelo que percebi, leva uma vida bem nômade e feliz.

Devo admitir que o aeroporto de Mumbai também não é dos melhores, mas se você for espertinho, tudo se resolve de modo a não ser muito passado pra trás - leia-se: em algum momento você vai ser; só resta saber se será muito ou pouco. 

O maior problema daqui provavelmente é o motorista de táxi, que quer levar o máximo de dinheiro possível (muitas vezes não liga o taxímetro; ou só avisa no meio da viagem o valor fixo absurdo que, se você não pagar ele pode te deixar ali, no meio do nada; ou quando simplesmente se recusa a fazer uma corrida curta). Se acostumar com a malandragem pode levar algum tempo...

Essa semana de trabalho foi corrida, tivemos de resolver várias coisas a respeito do fechamento financeiro, das inovações propostas pelo novo chefe, do setor cultural e da assistência a brasileiros. 

Aconteceu algo inusitado: três jovens modelos brasileiras (20, 18 e 15 anos), acreditando que estavam prestes a fazer carreira internacional, vieram para a Mumbai e ficaram nas mãos desse "agente" que estava fazendo com que elas ficassem praticamente em cárcere privado - proibidas de sair do apartamento onde estavam, não recebiam pelo trabalho que faziam, estavam sendo maltratadas, agredidas moralmente, sendo coagidas a não entrar em contato com ninguém, vivendo em um ambiente sem nenhuma higiene, sem água filtrada e, se não estou muito enganada, chegaram muito perto de serem abusadas sexualmente.

O pai de uma delas, meio desesperado e sem notícias, ligou para o Vice-Cônsul que foi averiguar juntamente com a polícia local. Resultado: foi descoberta uma rede de tráfico de pessoas - que possui, inclusive, ajudantes no Brasil (supostos "agentes" brasileiros que incentivam as meninas a virem para os países asiáticos, onde são tratadas como lixo; quando não são levadas para a prostituição). 

Segundo o Rafael, parecia um filme de Bollywood. Foi feita toda uma operação: 5 carros de polícia, mais os dois carros do consulado, mais autoridades locais. Logística perfeita para capturar todos envolvidos e deu tudo certo: as meninas estão bem - obviamente com o psicológico todo ferrado - e vão para o Brasil no sábado.

O mais interessante é que esses "agentes" do Brasil pedem incisivamente que ninguém nunca entre em contato com o Consulado porque aqui nós poderíamos "dar um carimbo no passaporte das meninas e acabar com a carreira internacional de cada uma (?)". Falácia, afinal, o consulado está aqui para ajudar os brasileiros - e não para dificultar a vida de ninguém.  

Eu, particularmente, acho que os pais dessas meninas foram muito irresponsáveis e inconsequentes em permitirem uma coisa dessas - até porque Mumbai não é Milão. Deixaram suas filhas nas mãos de um desconhecido indiano. 

Outra coisa foi que, para virem para cá, elas assinaram um contrato que sequer leram - e assinando o mesmo, elas fizeram uma "dívida" de pelo menos 15 mil reais cada uma. E adivinhem só: se elas não conseguissem pagar com o tempo que estivessem "modelando" por aqui... o que será que aconteceria? Ein? One guess.
Bem, o desfecho foi positivo e isso é o que importa.

O clima por aqui está maravilhoso, muito fresquinho e úmido. Quero só ver quando fechar o final de fevereiro, rs.

Conheci uma indiana muito legal, a Sumedha, que é amiga do Pandya. Ela tem me ensinado várias coisas da cidade e temos feito passeios ótimos depois do trabalho - ela trabalha no World Trade Center de Mumbai, que fica muuuito pertinho do meu hotel.

Hoje a festa de Natal será na casa do Rafael e eu já estou bem animada. Comprei meu presente de amigo secreto, o bacalhau está sendo preparado, o salpicão, além do restante de coisas que o pessoal vai levar... ou seja, as comidas prometem. 

Combinei com os meus amigos indianos que irei passar o ano novo com eles. Não quero passar sozinha de novo e, qualquer lugar que eu fosse viajar, seria by myself. Eles vão fazer uma festa na casa da Sumedha e, aparentemente, será temática.
Desejo a todos um ótimo Natal :-)

2 comentários:

aleixo disse...

Histórias fantásticas, hein, pra todos os gostos. Quando sai o livro completo sobre a viagem haha? Você escreve muito bem, gosto dos detalhes haha... Espero que o Natal tenha sido ótimo, depois me conta os detalhes da ceia. Gostei desse papo de ajudar a fazer o bacalhau! Beijocas ^^

mf disse...

Quantas vezes vou ter que pedir pra que escrevas mais? Abro esse blog sempre e nada de novo. Daqui a pouco faz um mês. :~